O domínio da matemática tende a definir quem detém poder na sociedade contemporânea, afirma o matemático Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Segundo ele, a presença crescente de algoritmos e sistemas de inteligência artificial em decisões cotidianas torna a democratização do ensino da disciplina uma questão de justiça e de exercício da cidadania.
Viana aponta que algoritmos baseados em modelos matemáticos já influenciam decisões como a concessão de crédito. Sem alfabetização matemática, indivíduos ficam vulneráveis às decisões tomadas por quem domina esse conhecimento. Como exemplo do impacto dessa dinâmica, ele cita o documentário internacional Counted Out (traduzido como Excluídos pela Matemática), que relata um caso em que um preso americano conseguiu demonstrar o viés de um algoritmo usado para negar liberdade condicional, levando as autoridades a suspenderem seu uso.
Além das implicações sociais e legais, a matemática representa potencial econômico relevante. Um estudo da Fundação Itaú, publicado em fevereiro de 2024, estimou que profissões que utilizam matemática respondem por 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil — cerca de R$ 450 bilhões. Em países avançados, essa participação varia entre 15% e 18%. Se o Brasil atingisse patamares semelhantes aos de nações como a França (18% do PIB), o acréscimo ao PIB nacional poderia superar R$ 1 trilhão por ano, segundo Viana.
Para aproveitar esse potencial, ele defende a formação de mais jovens capazes de aplicar a matemática na resolução de problemas em setores como agronegócio, finanças, saúde e energia, onde a incorporação de métodos quantitativos pode aumentar a eficiência e a produtividade.
O levantamento do Anuário Brasileiro da Educação Básica, divulgado recentemente, mostrou que a maioria dos estudantes conclui o ensino médio sem aprendizagem adequada em língua portuguesa e matemática. Os piores resultados concentram-se nos 20% mais pobres da população e em alunos de escolas públicas. Diante desse quadro, Viana ressalta a influência da desigualdade social na qualidade da educação oferecida às camadas menos favorecidas e observa que, com raras exceções, instituições brasileiras não se destacam em comparações internacionais.
Entre os fatores apontados para o desempenho insatisfatório estão a desvalorização do magistério e deficiências na formação de professores. Além do aspecto salarial, ele destaca a falta de carreiras atraentes e de incentivos para desempenho diferenciado. A sobrecarga horária e a preparação inadequada de muitos docentes agravam o problema.
Viana lançou na semana passada o livro A Descoberta dos Números. A obra surgiu a partir de uma palestra encomendada pela Capes sobre o tema dos números. Metade do conteúdo deriva dessa apresentação; a outra metade foi escrita posteriormente para ilustrar episódios históricos e aprofundar pontos matemáticos. O livro traça a evolução dos números como uma das grandes aventuras humanas, nascida de necessidades práticas e comentada ao lado de invenções como a roda e a agricultura, e conclui que os números seguem presentes e fundamentais na vida social e científica.