Um estudo recente estima que cerca de 284 mil crianças e adolescentes brasileiros perderam pelo menos um dos pais ou um cuidador direto em 2020 e 2021 em decorrência da covid-19. O levantamento revela a dimensão do problema em meio ao alto número de óbitos no país durante a pandemia.
A Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico) foi criada por Paola Falceta após a morte de sua mãe em 2021, uma entre mais de 700 mil vítimas no Brasil. A entidade atua na busca por reparação e justiça para famílias afetadas, com atenção especial às crianças e adolescentes que ficaram sem responsáveis.
Apesar da magnitude do fenômeno, não existe, até o momento, uma política nacional abrangente de assistência a esses órfãos. Em âmbito estadual, o Ceará instituiu auxílio de R$ 500 mensais para menores que perderam pai ou mãe por covid-19. No plano federal, propostas avançam lentamente. No Senado, o Projeto de Lei 2.180/2021, que cria um fundo e um programa de amparo para órfãos da pandemia, ainda tramita em comissões. O Ministério dos Direitos Humanos iniciou discussões sobre medidas de proteção em 2023; a pasta recomendou procurar o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Famílias e Combate à Fome, que não retornou pedido de posicionamento.
Na esfera judicial, a Avico abriu, em junho de 2021, uma representação criminal contra o então presidente Jair Bolsonaro relacionada à condução da pandemia; a ação foi arquivada, mas aumentou a visibilidade da associação. Paralelamente, o Ministério Público Federal (MPF) em Brasília ajuizou, ainda em 2021, ação civil pública que pede indenizações às famílias das vítimas: ao menos R$ 100 mil por família e R$ 50 mil para famílias de sobreviventes com sequelas graves ou persistentes. O MPF também reivindica R$ 1 bilhão para o Fundo Federal dos Direitos Difusos como forma de reparação por dano moral coletivo.
A Avico colaborou com a ação do MPF reunindo 139 testemunhas e contribuindo com a fundamentação científica do processo. Após quatro anos de tramitação, o caso entrou na fase de instrução de provas.
A Coalizão Orfandade e Direitos, organização coordenada por Milton Alves Santos, trabalha com políticas de atenção a órfãos em geral e tem focalizado a orfandade causada pela pandemia. A coalizão considera que o impacto financeiro e psicológico sobre as crianças exige resposta do Estado e propõe a adoção de orientações nacionais para integrar políticas de habitação, assistência social, saúde, transferência de renda e educação. Entre as demandas estão a priorização desse grupo no Sistema Único de Assistência Social (Suas) e a orientação de conselhos nacionais para o atendimento das crianças afetadas pela orfandade por covid-19.
Casos individuais ilustram o problema. Bento, de 8 anos, perdeu o pai, o fotógrafo Cláudio da Silva, em 2021, vítima de covid-19. A mãe, Ana Lúcia Lopes, organizou-se financeiramente com a pensão por morte deixada pelo companheiro, mas a família segue impactada pela perda.
Organizações e movimentos que representam vítimas e familiares mantêm a mobilização por medidas de reparação e políticas públicas específicas. Processos judiciais e proposições legislativas seguem em andamento, mas especialistas e entidades apontam que a implementação de uma política pública nacional é necessária para reduzir riscos materiais e oferecer suporte emocional às crianças afetadas.



