O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) completou 70 anos e é reconhecido pela ONU como um dos maiores e melhores programas de alimentação escolar do mundo. O projeto ganhou destaque a partir da lei de 2009, que definiu parâmetros para as refeições servidas nas escolas, substituindo lanches ultraprocessados por refeições completas.
A lei de 2009 também passou a exigir a presença de nutricionistas nas unidades escolares e determinou que os cardápios atendam às necessidades nutricionais, estejam conectados à cultura local, priorizem alimentos preparados na própria escola, limitem em no máximo 15% a participação de ultraprocessados e garantam pelo menos 30% de compra de alimentos da agricultura familiar.
Em Fortaleza (CE), a equipe da cozinha da Escola Johnson prepara três refeições diárias para mais de 400 estudantes de um ensino médio em tempo integral. O cardápio inclui pratos regionais como baião de dois, carne picadinha, farofa de ovo e creme de galinha, elaborado com peito de frango desfiado e caldo de legumes, sem uso de creme de leite ou queijos, para atender às diferentes restrições alimentares dos estudantes.
No campo, a agricultura familiar tem papel importante no abastecimento das escolas. Em Ocara (CE), produtora de pequeno porte destina cerca de 30% da sua produção — ovos, mel e carnes — ao Pnae. Para muitos agricultores de municípios menores, a venda garantida ao programa representa fonte consistente de renda.
Um estudo do Observatório da Alimentação Escolar (OAE) indica que, para cada R$ 1 investido pelo Pnae na agricultura familiar, o Produto Interno Bruto cresce R$ 1,52 na agricultura e R$ 1,66 na pecuária. A partir de 2026, uma mudança aprovada pelo Congresso pode elevar a participação mínima da agricultura familiar no programa para pelo menos 45%, sujeito à sanção presidencial.
O Brasil sediou, entre 18 e 19 de setembro, a 2ª Cúpula da Coalizão Global pela Alimentação Escolar, que reuniu representantes de mais de 90 países comprometidos em fornecer alimentação de qualidade a mais de 700 milhões de estudantes até 2030. No âmbito dessa cooperação, nutricionistas de São Tomé e Príncipe receberam formação online com profissionais brasileiros, e houve apoio de um nutricionista brasileiro por três anos para orientar a preparação das refeições, com ênfase no uso de alimentos locais.
Atualmente, o Pnae atende cerca de 40 milhões de estudantes diariamente, da creche à Educação de Jovens e Adultos (EJA). A Organização das Nações Unidas aponta que o programa contribuiu para a retirada do Brasil do mapa da fome, já que para muitos alunos a principal refeição do dia é a oferecida na escola.
Apesar dos avanços, a execução do programa enfrenta desafios. Em 2025, o orçamento federal foi de R$ 5,5 bilhões. O repasse federal por dia por estudante variou de R$ 0,41 (EJA) a R$ 1,37 (creches e ensino integral). Valores permaneceram congelados por cinco anos antes do reajuste de 2023. Estados e municípios devem complementar esses recursos, mas mais de 30% dos municípios das regiões Norte e Nordeste não realizam esse aporte adicional, segundo o OAE.
Levantamento do OAE com nutricionistas aponta que 47% avaliam não conseguir cumprir as exigências nutricionais do programa. Entre os obstáculos identificados estão falta de infraestrutura para preparo dos alimentos, resistência de famílias e profissionais da educação, inflação dos preços, orçamentos insuficientes e escassez de nutricionistas e cozinheiros.
Especialistas que trabalharam na elaboração da lei de 2009 ressaltam que o Pnae deve ser compreendido como um programa pedagógico de promoção à saúde, voltado à formação de hábitos alimentares saudáveis e à melhoria do processo de ensino-aprendizagem, e não apenas como uma distribuição assistencial de lanches. Apesar de seu reconhecimento internacional e de constar na Constituição, dizem, ainda há espaço para avanços na implantação e financiamento.
A reportagem viajou a convite do Ministério da Educação.